Paleontologia e Paleoambiente
O tsunami de 1755 foi um dos eventos naturais mais devastadores da história da Península Ibérica e teve um impacto profundo, não só na paisagem, mas também no desenvolvimento da ciência. O estudo dos depósitos deixados por este fenómeno é de grande importância internacional, por ajudar a compreender melhor a força e a dinâmica dos tsunamis. Além disso, este evento marcou um momento crucial na história da ciência moderna, levando a uma abordagem científica mais rigorosa e separada dos dogmas religiosos.
A análise dos sedimentos costeiros e da plataforma continental permite reconstruir as várias fases do tsunami – desde a chegada das ondas gigantes, passando pela inundação, até ao recuo da água, conhecido como "backwash". Devido à sua escala e impacto, o tsunami de 1755 tem sido amplamente estudado, sobretudo na região do Algarve, onde deixou marcas tanto em terra como no mar.
Três desses estudos foram realizados no território do Algarvensis, analisando os sedimentos no estuário da Ribeira de Quarteira e da Ribeira de Alcantarilha, na Lagoa dos Salgados e na plataforma continental. Os cientistas utilizaram diferentes métodos para descrever as fases do tsunami e até identificaram depósitos relacionados com outro evento semelhante, o tsunami de 1769.
Na Lagoa dos Salgados, os investigadores conseguiram determinar a direção exata da entrada da onda no local, o que permitiu estimar a sua altura máxima, que foi menos de 10 metros. Essa estimativa baseou-se na análise da propagação da onda através da barra de entrada da lagoa e na forma particular da costa na Baía de Armação de Pêra. A presença de um cordão dunar, com cerca de 10 metros de altura, funcionou como uma barreira natural, impedindo que o tsunami avançasse ainda mais para o interior.
Os estudos evidenciam como os registos geológicos podem revelar detalhes impressionantes sobre eventos passados e ajudar a compreender melhor a dinâmica dos tsunamis, contribuindo para a preparação e mitigação de riscos no futuro.
O registo do tsunami na Lagoa dos Salgados é fornecido pela presença de uma camada peculiar no registo sedimentar do Holocénico tardio da Lagoa dos Salgados. Esta contrasta com as camadas subjacente e sobrejacente por ser representado por um horizonte de sedimentos mais grosseiros intercalados entre sedimentos de grão mais fino. Assenta de forma discordante sobre a camada subjacente, caracterizada por um contacto erosivo.
A análise micropaleontológica (Foraminíferos) indica um aumento significativo da diversidade e dominância das espécies marinhas na camada de sedimentos do evento.
As características espaciais da camada do tsunami sugerem que a barreira impediu o transbordo generalizado pelo tsunami, permitindo uma inferência de aproximadamente 10 m como a altura máxima na costa. Estas características indicam também que a entrada da barra da Lagoa dos Salgados foi a via preferencial para o transporte de água e sedimentos para o interior.
Os resultados da datação (14C, 210Pb e 137Cs) permitem extrapolar uma idade de deposição que coincide com o sismo e tsunami de Lisboa de 1755 d.C., o evento mais catastrófico a ter impactado esta zona costeira em tempos históricos.

Localidade: Salgados - Albufeira